A alimentação é um reflexo direto dos aspectos culturais de uma sociedade, representando não apenas a sobrevivência, mas também tradições, valores, identidades regionais e históricas. A alimentação vai além da simples necessidade de nutrir o corpo; ela é uma manifestação profunda da cultura, história e identidade de um povo. Por meio dos alimentos, é possível compreender aspectos sociais, religiosos e econômicos que moldaram tradições e hábitos ao longo do tempo. Cada prato, ingrediente e modo de preparo carrega consigo memórias, valores e símbolos, conectando gerações e expressando a relação entre as comunidades e o ambiente onde vivem. Assim, explorar a alimentação e seus aspectos culturais é mergulhar nas raízes das sociedades, apoiando a diversidade e as histórias dos sabores e aromas.
A origem da carne de sol remete ao período colonial. Em torno de 1720, os produtores de carne bovina precisavam de alguma alternativa para conservar o excedente de produção, diante da sua baixa durabilidade e poder econômico da população. A carne de sol também é conhecida como carne-de-sereno, carne-de-vento devido às maneiras de se fazer a secagem da carne que pode ser, ao vento, ao sereno, em instalações cobertas e até exposta ao sol.
A região norte do estado da Paraíba, divisa com o Rio Grande do Norte é o local mais preciso de origem da carne de sol. Picuí é a cidade responsável pelo desenvolvimento tecnológico de produção da carne. Localizada na região do Seridó Oriental da Paraíba, a cidade tem o seu desenvolvimento econômico voltado para a pecuária bovina. Dessa forma, a produção de carne era realizada na cidade e posteriormente abastecia outras regiões pelos marchantes, que eram os negociantes de gado para os açougues.
A carne é uma das principais fontes de proteínas na alimentação humana, desempenhando um papel fundamental no fornecimento de aminoácidos essenciais para o funcionamento do organismo. Rica em nutrientes, como ferro, zinco, vitaminas do complexo B e creatina, a carne é amplamente consumida em diversas culturas e formas, seja bovina, suína, aves ou pescados. Por ser uma proteína de alto valor biológico, é facilmente utilizada pelo corpo, contribuindo para o crescimento muscular, manutenção de tecidos e funções metabólicas.
A composição centesimal da carne bovina varia de acordo com o corte, raça do animal e tipo de alimentação. Geralmente, a carne possui 21% de proteína, 70% de água, 6% de lipídeos e 1% de cinzas, que corresponde aos minerais. O valor calórico médio de 100g da carne é de 144 calorias, podendo variar de acordo com o corte, uma vez que alguns possuem maior ou menor quantidade de gordura.
O consumo equilibrado da carne está relacionado à obtenção de minerais e vitaminas importantes para a manutenção da saúde, dentre eles destacam-se o ferro e a vitamina B12. O ferro é um importante mineral relacionado ao transporte de gases como oxigênio e produção de energia (ATP), por ser constituinte da hemoglobina e mioglobina. Uma ingestão inadequada e insuficiente pode causar sensação de cansaço, retardo no crescimento e anemia ferropriva. Já a vitamina B12 é uma importante vitamina do complexo B. Está relacionada a produção dos glóbulos vermelhos, síntese de DNA e auxilia no funcionamento do sistema nervoso. A baixa ingestão desse nutriente está relacionada a disfunções neurológicas e cognitiva, além de anemia perniciosa.
O alto percentual de umidade da carne torna esse alimento altamente perecível. A água presente nos alimentos pode estar altamente ligada aos outros componentes dos alimentos ou estar livre. O teor de água livre dos alimentos é chamado de atividade de água. A atividade de água é importante indicador da perecibilidade dos alimentos, uma vez que a água livre está disponível para reações químicas e enzimáticas, além da proliferação de microrganismos que podem deteriorar o alimento ou causar doenças de transmissão hídrica e alimentar (DTHA).
Diversos métodos de conservação são empregados para garantir a diminuição do desperdício, segurança do alimento, acessibilidade e disponibilidade, preservação dos nutrientes, além da valorização cultural e culinária. A diminuição da atividade de água é um importante fator para a garantia da conservação de produtos frescos, como a carne. Nesse sentido, o método de conservação é baseado na penetração de sal nos tecidos da carne, o que gera a saída de água do alimento. Dessa forma, ocorre a diminuição da atividade de água, dificultando o processo de decomposição por microrganismos.
No geral, a carne de sol possui um processo tecnológico de produção muito simplificado. O processo de salga da carne de sol é predominantemente artesanal. Primeiramente, os cortes de carne são filetados e os filés recebem cortes para facilitar a penetração do sal. Adiciona-se uma porcentagem relativamente baixa de cloreto de sódio (NaCl), em torno de 5%. Posteriormente, a carne é exposta ao sol ou ao vento por aproximadamente 5 dias para a secagem natural.
A carne de sol pertence a um grupo formado pelo charque e o jerked beef, ou seja, das carnes curadas pelo sal. A diferença é que carne de sol se aproxima muito mais de uma carne fresca devido a utilização de uma menor quantidade de sal no processo de salga, além de uma menor quantidade de tempo de secagem. Sua textura é mais macia quando comprada a carnes com o processo mais eficiente de secagem com maior adição de sal e maior tempo de retirada da umidade.
A carne de sol apresenta um processo de produção bastante artesanal e tradicional e não possui uma fiscalização higiênico-sanitária muito rígida pelos órgãos de regulação. A perecibilidade desse tipo de carne é maior do que outros tipos de carnes salgadas devido ao seu processamento mais brando. Por isso seu tempo de prateleira é curto e grandes descolamentos para a comercialização devem ser evitados. O preparo desse tipo de carne deve ser realizado de forma adequada para que a cocção seja capaz de destruir os possíveis microrganismos presentes na carne.
Portanto, a carne de sol é muito mais do que um alimento; ela é uma expressão cultural do sertão nordestino, simbolizando a história, a criatividade e a resiliência de um povo que soube transformar desafios em tradição. o preservar e valorizar a carne de sol, perpetuamos não apenas uma técnica culinária, mas também a memória e a identidade de uma cultura rica e autêntica, profundamente ligada à terra e às suas raízes.
REFERÊNCIAS
BEZERRA, Vanessa Nogueira. AO VENTO OU AO SERENO: aspectos culturais e históricos da carne de sol do município de Picuí/PB. Monografia (Curso de Graduação em Nutrição) – Centro de Educação e Saúde / UFCG, 2015. Disponível em: VANESSA NOGUEIRA BEZERRA - TCC BACHARELADO EM NUTRIÇÃO CES 2015.pdf
NASCIMENTO, Paulo de Oliveira. A “ARTE DE FAZER” CARNE DE SOL EM PICUÍ – PB: do patrimônio imaterial ao turismo gastronômico. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB/Campus Picuí. Disponível em: file:///C:/Users/Gabriel%20Chedid/Downloads/21-38-1-SM.pdf
SANTOS, Juliana Carina dos; BUENO, Silvia Messias; ALMEIDA, Crislene Barbosa de; AVALIAÇÃO DOS MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE CARNES BOVINAS SALGADAS E ANÁLISE MICROBIOLÓGICA. Revista Unilago. Disponível em: 51-Texto do Artigo-155-1-10-20171019 (1).pdf
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