Das Fases de Metamorfose à Moeda de Troca: Curiosidades da Enguia Europeia
- Ciência Descascada

- há 2 dias
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Hoje vamos falar um pouco sobre as enguias europeias. Mas calma, aqui no Brasil quando se fala em enguias todo mundo já pensa nas enguias elétricas da Bacia Amazônica, os poraquês. Que na verdade nem são enguias! Mas isso é assunto para outra hora. Vamos juntos conhecer um pouco mais sobre as enguias consumidas na Europa.
As enguias encontradas e consumidas na Europa são peixes migratórios. Seu nome científico é Anguilla anguilla e durante muito tempo foi objeto de curiosidade por muitos naturalistas e cientistas, pois muitos não entendiam de onde vinham as enguias e como se desenvolviam. Muitos encontravam enguias de diferentes formas e tamanhos e acreditavam ser animais diferentes. Atualmente sabe-se que as enguias vêm do Mar dos Sargaços e que seu ciclo de vida é extremamente complexo apresentando fases distintas que refletem na morfologia do animal durante a vida.
Seu ciclo de vida é composto de uma fase larval migratória, a léptocefala que migra do mar dos Sargaços em direção à costa da Europa e Mediterrâneo através das correntes marinhas. Na costa da Europa essas larvas sofrem metamorfose e diferenciam-se em enguias de vidro. Do mar aberto entra nos estuários e pântanos impulsionadas pelas marés e neste ambiente sofrem outra metamorfose as diferenciando em enguias Elver, que é a forma juvenil. E então esses animais à medida que encontram água-doce sofrem outra metamorfose, se transformando em enguias amarelas, que nessas águas podem viver até 25 anos. Por fim, esses animais descem os rios em direção ao mar, sofrendo outra metamorfose e migram novamente para o Mar dos Sargaços para se reproduzir e morrer.

Figura adaptada de CRESCI et al., 2019

Na Europa o consumo desses animais data da Idade do Bronze, isto é, 1000 anos a.c. Arqueólogos encontraram armadilhas para enguias em um sítio de escavação entre as cidades de Peterborough e Whittlesey na Inglaterra. Uma outra evidência interessante foi a descoberta de vestígios de um banquete fúnebre com restos de enguias que datam 400 anos d.c. Por alguns anos no novo milênio d.c., na Idade do Ferro os britânicos não pescavam. No entanto, isso parece ter mudado com a chegada dos anglo-saxões.
Uma outra evidência da importância das enguias para a cultura europeia é a presença delas em brasões de algumas famílias e o histórico de utilização de enguias como moeda de troca na Inglaterra na Idade Média.
Atualmente as enguias estão se tornando cada vez mais escassas e a espécie está em risco de extinção. Especulam-se alguns motivos para tal queda na população. Alguns deles são a imposição de barragens que poderiam estar impedindo a migração das enguias rio acima em águas-doces impedindo seu pleno desenvolvimento; As mudanças climáticas e poluição dos rios e encostas poderiam também estar afetando negativamente o desenvolvimento das enguias. E por fim, há quem diga que empreendedores do leste asiático estariam predando ilegalmente as enguias no Oceano Atlântico. Uma vez que há países neste continente que também possuem essa cultura alimentar como o Japão que é responsável por cerca de 70% do consumo de enguias mundial.

No entanto, o Japão consome, de forma majoritária, uma outra espécie de enguia, a Anguilla japonica. Os maiores responsáveis pela criação em cativeiro e comercialização de enguias na Ásia, são Japão e Taiwan. No Japão as enguias, são chamadas de “unagi” e podem ser servidas como sushi, grelhadas ou ter seus ossos fritos para servirem de aperitivo junto ao consumo de cerveja.
Atualmente, uma das medidas tomadas contra a extinção absoluta foi o Regulamento das Enguias estabelecido pela União Européia (EU) em 2007. Neste regulamento todos os países que compunham a UE tiveram a responsabilidade de elaborar um planejamento com o objetivo principal de proteger e recuperar as populações de enguias no continente.

As enguias possuem uma composição nutricional de cerca de 19% de proteína, apresentando um perfil balanceado de aminoácidos essenciais e não essenciais. Quanto aos lipídeos apresentam uma porcentagem de 4 a 10%, sendo consideradas um alimento rico em ácidos graxos.
As enguias podem ser consumidas de várias formas. As formas pós-estágio larvais, também chamadas de enguias-de-vidro, podem ser fritas ou cozidas. As outras formas podem ser consumidas secas, defumadas ou salgadas. Na Holanda, por exemplo, as técnicas de defumação de enguias são passadas por geração em geração, um dos pratos famosos é o Gerookte Paling. Na Inglaterra é comum fazer tortas de enguias. Sendo assim, dá para entender o porquê dessas enguias comporem pratos tão caros.
Ao pesquisar surgiu uma vontade forte de provar e você, teria coragem? Curta, comente e compartilhe para mais curiosidades gastronômicas horripilantes.
Referências:
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