Larvas de besouro na dieta tradicional Guarani: o caso do Aramanday guasu
- Gabriel Chedid Alves Moura
- há 7 dias
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A introdução de insetos na alimentação humana tem ganhado destaque nos últimos anos como uma alternativa sustentável e nutritiva frente aos desafios ambientais e alimentares do século XXI. Ricos em proteínas, vitaminas e minerais, os insetos comestíveis são consumidos tradicionalmente em diversas culturas ao redor do mundo, especialmente na Ásia, África e América Latina. No entanto, sua incorporação nos hábitos alimentares ocidentais ainda enfrenta barreiras culturais e de aceitação, apesar dos benefícios ecológicos e nutricionais que oferecem.

A antropoentomofagia, que é o consumo de insetos como alimento, é uma prática comum entre diversos povos indígenas ao redor do mundo. Entre essas comunidades, os insetos são valorizados não apenas por seu alto valor nutricional, mas também por sua disponibilidade sazonal e importância cultural. No Brasil, por exemplo, povos indígenas como os Yanomami, Kayapó e Guarani incluem formigas, larvas e gafanhotos em sua dieta, utilizando técnicas tradicionais de coleta e preparo transmitidas entre gerações. Essa prática reflete uma relação equilibrada com a natureza e um profundo conhecimento dos recursos do ambiente.
Os povos Guaranis de Pirajuí, Mato Grosso do Sul, detêm conhecimentos muito específicos e antigos acerca da utilização de insetos na alimentação e medicina. Para esses povos, o alimento é considerado sagrado, uma dádiva divina, o que justifica esse conhecimento ancestral tão valioso e específico, que possibilita a distinção entre os insetos comestíveis e aqueles que não podem ser utilizados na alimentação. Quatro tipos de insetos se destacam: içá ou tanajuras, larva do bicho-da-taquara, larva do bicho-da-palmeira e a larva do bicho-de-coco.
As espécies de besouros comestíveis no dialeto Guarani são denominadas de Aramanday que significa “o que cai como chuva”. Os besouros põem o mbuku que consiste na larva comestível desses insetos. Existem larvas não comestíveis que são chamadas de yso. No geral, são utilizadas na alimentação larvas que infestam palmeiras e bambus. Acredita-se que essas espécies tenham sido criadas por um deus chamado Tupã Guasu como fonte de alimento para esses povos. Na língua portuguesa esses besouros são classificados como Rhynchophorus palmarum.

A coleta do mbuku ocorre a partir do corte do caule das palmeiras na lua nova para a extração das larvas que se desenvolvem em seu interior por volta de 42 dias. A coleta deve ocorrer preferencialmente ao final das dez semanas após a infestação, uma vez que depois desse prazo as larvas entram em estágio pupal e não servem para o consumo. Na maioria das tribos, a função de coleta é destinada aos homens, entretanto em alguns casos as mulheres também realizam a coleta. As larvas do Aramanday guasu são brancas, não possuem patas e pelos. A cabeça das larvas é avermelhada e possuem a mandíbula muito forte, adaptada a comer o miolo do coco, fruto das palmeiras.

O mbuku, após ser coletado, pode ser consumido de diferentes formas, dependendo da tradição de cada povo indígena. Uma das formas mais comuns de preparo é o assado, diretamente no fogo ou em grelhas feitas com varas, o que confere sabor defumado e textura crocante por fora, mantendo o interior macio. Também pode ser cozido ou frito em sua própria gordura, sendo incorporado a caldos, farofas ou servido como prato principal. Além de seu valor nutricional, o consumo do mbuku é muitas vezes acompanhado de rituais ou práticas comunitárias, reforçando laços culturais e sociais nas aldeias.

Em termos de composição nutricional,as larvas de Rhynchophorus palmarum possuem aproximadamente 23,50% de proteína, valor superior ao encontrado em carnes de aves, o que evidencia seu potencial como fonte alimentar proteica. Apresentam elevado teor de lipídeos (61,56%) e fibras alimentares (14,77%), enquanto os carboidratos disponíveis são baixos, como esperado em alimentos de origem animal. Estudos indicam ainda a presença de micronutrientes importantes para a saúde humana, como ferro, cálcio, zinco, tiamina, riboflavina e niacina. Dessa forma, seu consumo pode contribuir para o suprimento de micronutrientes essenciais e para uma ingestão calórica significativa.
Portanto, o consumo de larvas pelos povos Guaranis representa muito mais do que uma simples fonte de alimento, trata-se de uma prática profundamente enraizada em seu modo de vida, saberes tradicionais e relação harmoniosa com a natureza. As larvas fornecem nutrientes essenciais, como proteínas e gorduras, complementando a dieta de forma sustentável e adaptada ao ambiente local. Além disso, sua coleta e preparo envolvem conhecimentos transmitidos entre gerações, reforçando a identidade cultural e os vínculos comunitários. Assim, preservar e valorizar esse hábito alimentar é também reconhecer a sabedoria indígena e sua contribuição para a biodiversidade e segurança alimentar.
REFERÊNCIAS
BRAND, A; VERA, C. Aramanday guasu (Rhynchophorus palmarum) como alimento tradicional entre os Guarani Ñandéva na aldeia Pirajuí. Disponível em: <https://tellusucdb.emnuvens.com.br/tellus/article/view/258/163>. Acesso em: 12 maio. 2025.
BRUN, H,M; FINOCCHIO, C,P,S; BINOTTO, E; ARAÚJO, A,M. Alimentos à base de insetos e o comportamento do consumidor: o que a literatura científica tem desvendado? Disponível em: <https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/ecoreg/article/view/42175/31411>. Acesso em: 12 maio. 2025.
VERA, C. A utilização de insetos por etnias Guarani de Mato Grosso do Sul, Brasil, como alimento e remédio. Disponível em: <https://cadernos.aba-agroecologia.org.br/cadernos/a]rticle/view/6444/4619>. Acesso em: 12 maio. 2025.
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