Mel: composição, propriedades e impactos ambientais
- Bruna Dinelli e Rafaela Pena
- 17 de out. de 2021
- 5 min de leitura

Você já se perguntou como o mel é produzido? Sabia que ele é um alimento de origem animal? Vamos começar com a definição do mel, pela IN n°11 de 2000, é o “produto alimentício produzido pelas abelhas melíferas, a partir do néctar das flores ou das secreções procedentes de partes vivas das plantas ou de excreções de insetos sugadores de plantas que ficam sobre partes vivas de plantas, que as abelhas recolhem, transformam, combinam com substâncias específicas próprias, armazenam e deixam madurar nos favos da colmeia”.
E como será que o néctar se torna, enfim, no mel que conhecemos?

As abelhas coletam o néctar de uma ou mais espécies de flores disponíveis, e nele incorporam suas próprias substâncias, como enzimas e ácidos, que irão reagir com esse néctar e iniciar suas modificações. O néctar vai sendo espessado, sofre acidificação, que somada à presença das enzimas convertem os açúcares presentes e altera o perfil desses carboidratos, além de agregar vitaminas, minerais e outras substâncias. Este produto do metabolismo é adicionado aos favos da colmeia, onde se desenvolve até se tornar maduro. No amadurecimento se intensifica a conversão dos açúcares, onde ocorre principalmente a quebra do dissacarídeo sacarose em seus dois monossacarídeos formadores, a glicose e a frutose, além de ocorrer perda de umidade e redução da sua acidez.
Por fim, sua composição final é formada essencialmente de carboidratos (cerca de 75 a 80%), predominantemente a glicose e a frutose, e em menores quantidades de frações proteicas, como as enzimas, de ácidos orgânicos, minerais, vitaminas, substâncias aromáticas e pigmentos.
Os méis florais produzidos a partir do néctar coletado de flores silvestres variadas são denominados como do tipo selvagem, ao passo que méis produzidos a partir do néctar de floradas selecionadas de determinada planta são denominados conforme a planta em questão, como, por exemplo, mel do tipo flor de laranjeira. Desta forma, pensando na diversidade de espécies de abelhas e de flores, e no complexo processo de sua formação, podemos entender o porquê de existirem tantos tipos diferentes de mel, com diferentes cores, que variam de quase incolor a pardo escuro, sabores e aromas, que refletem sua origem.
Na apicultura, prática antiga onde este processo de produção de mel é reproduzido pelos seres humanos, a criação das abelhas melíferas se dá em colmeias artificiais, com cuidados e técnicas específicas, que visam otimizar a produção desse alimento, além de outros produtos como geleia real e cera. A riqueza da flora no Brasil permite, inclusive, que a produção de mel seja bastante diversificada, como foi supracitado, e durante todo o ano.
E você conhece quais são as propriedades presentes no mel?

Por se tratar de um produto rico em açúcares simples (glicose e frutose) com capacidade adoçante, ser natural e ser reconhecido por algumas propriedades funcionais, como por ações antioxidante e antimicrobiana, o interesse nesse alimento ganhou força, tendo em vista também o crescimento do interesse em estilo de vida mais saudáveis.
A capacidade antioxidante do mel é proveniente principalmente dos compostos bioativos fitoquímicos do néctar das plantas e que se tornam presentes no mel, mais especificamente os ácidos fenólicos e flavonóides, este últimos uma classe de pigmentos que se encontra em maiores quantidades em méis mais escuros. Estes compostos são também ligados à ação anti-inflamatória. Isto porque ambas propriedades estão correlacionadas com a redução dos chamados radicais livres, produzidos e neutralizados naturalmente no nosso metabolismo, mas que se acumulados danificam as células e tecidos do organismo. É também do conhecimento científico que os maus hábitos alimentares, sedentarismo, tabagismo, etilismo em excesso (consumo de álcool), poluentes, doenças como as cardiovasculares, inflamações e diversos outros fatores contemporâneos contribuem para o acúmulo desses radicais livres, fazendo dos alimentos com propriedades antioxidantes grandes aliados à saúde.
A propriedade antimicrobiana do mel é multifatorial, sendo também relacionada aos compostos fenólicos, que atuam inibindo etapas de metabolismo e crescimento bacteriano, além de possível relação com peptídeos antimicrobianos e produtos de ação enzimática das abelhas, como ácido glucônico.
Vale salientar que, embora o mel apresente tais benefícios, seu alto teor de carboidratos pode contribuir para a elevação dos níveis de glicose sanguínea, além de não se ter dados suficientes que embasam a relação do seu consumo por pacientes diabéticos. Portanto, embora possa estar presente, não se trata de um alimento de consumo liberado para pessoas com Diabetes Mellitus tipo 2, devendo ser consumido com cautela e seguindo as orientações médicas e nutricionais para manutenção da ingestão calórica total diária.
Além de produzirem o mel, as abelhas atuam como importantes polinizadoras, sendo essenciais tanto ao ecossistema natural quanto aos sistemas agrícolas, na produção de alimentos. Como consequência das intervenções humanas ao meio ambiente, as populações de abelhas, bem como de outros polinizadores, têm sido fortemente ameaçadas.
Uma das principais causas para redução populacional desses insetos se dá pelo uso massivo de agrotóxicos por produtores agrícolas. E ainda, além do impacto direto ao habitat natural, os próprios apiários quando contam com abelhas de outra origem podem ameaçar populações selvagens de abelhas nativas, seja por competição e/ou por exposição à pragas e patógenos trazidos pelas abelhas manejadas.
A apicultura, em substituição ao extrativismo predatório, é considerada uma atuação mais sustentável diante do processo produtivo do mel. Sua adoção auxilia na promoção do desenvolvimento regional e na conservação do meio ambiente, através da implantação de medidas ecológicas e rentáveis. No entanto, a perenidade dessa prática agrícola depende da relação de equilíbrio entre apicultor e produtividade, assim como, da integralização sistêmica de todas as estruturas produtivas envolvidas no processo.

Desse modo, a valorização da produção por agricultura familiar e regional, e a implementação de um sistema orgânico no processo produtivo são alternativas viáveis que potencializam a capacidade sustentável da apicultura. Tendo em vista que se tratam de perspectivas que buscam minimizar os impactos ambientais e socioeconômicos, através da diversificação da produção e do aumento da qualidade dos alimentos, com melhoria na geração de renda, recuperação e preservação do meio ambiente.
A produção de mel, portanto, é considerada uma atividade importante para o setor agropecuário em nível nacional. Pois, além de se tratar de uma alternativa para preparações culinárias, também apresenta benefícios relacionados aos seus componentes funcionais. Entretanto, apesar dessas propriedades, devido a sua composição química, é recomendado que seu consumo seja realizado de maneira moderada, principalmente em casos de diabéticos. Logo, como produto de origem animal, todo mel comercializado deve estar sujeito aos padrões preconizados pela legislação para evitar possíveis fraudes e alterações.
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