O Futuro da Proteína Animal: Vamos Falar Sobre a Carne Cultivada?
- Marcelo da Silva Reis
- há 7 dias
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O tema de hoje pode parecer futurista, mas já é uma tecnologia que pode estar mais perto de compor o nosso prato! Vamos falar sobre a carne cultivada. Você já ouviu falar sobre essa tecnologia? Você imagina como é a produção? Será que o consumo é seguro? Fique ligado e venha descascar a ciência com a gente!
Você já ouviu falar sobre a carne in vitro?
A crescente demanda global por alimentos, impulsionada por uma população mundial projetada para atingir 9,7 bilhões de indivíduos até 2050, apresenta desafios significativos para a produção de proteína animal. O modelo convencional de produção de carne, baseado na pecuária, é associado a impactos ambientais significativos, além de envolver questões de saúde pública e bem-estar animal.
Neste cenário, a carne cultivada – ou in vitro – emerge como uma tecnologia alimentar inovadora, posicionando-se como uma alternativa para atender às necessidades proteicas futuras de maneira mais sustentável e ética.
Entenda o seu processo produtivo

A carne in vitro constitui uma biomassa comestível produzida mediante o cultivo de células-tronco isoladas de animais vivos em um ambiente in vitro controlado. Essa abordagem, enquadrada no campo da agricultura celular e da engenharia de tecidos, visa à obtenção de produtos de origem animal com mínima participação do organismo vivo original.
A produção compreende etapas complexas, dentre as quais é possível citar quatro fases principais: 1) Coleta de células-tronco; 2) Expansão celular – também chamada de proliferação; 3) Diferenciação em células musculares esqueléticas e fibras; e 4) montagem do produto final.
O processo inicia-se com a obtenção de uma pequena amostra de células de um animal vivo, geralmente por biópsia muscular, minimizando o sofrimento animal. As células preferenciais são células-tronco ou células satélites (mioblastos embrionários isolados ou células satélites musculares), devido à sua capacidade proliferativa e de diferenciação em miofibrilas. Em seguida, as células coletadas são cultivadas em biorreatores, que são equipamentos projetados para fornecer um ambiente controlado e estéril, simulando condições fisiológicas ideais e contendo nutrientes como aminoácidos, glicose, minerais, vitaminas e fatores de crescimento, que são essenciais para o sucesso da proliferação celular.
Após a proliferação, as células são induzidas a se diferenciarem em células musculares maduras e, em alguns casos, adipócitos. Para formar uma estrutura tecidual, são utilizados scaffolds – como se fossem andaimes para a sustentação celular – ou suportes tridimensionais, feitos de biomateriais como colágeno, celulose, alginato ou quitosana. No cenário brasileiro, a Embrapa atualmente vem testando nanoestruturas de celulose bacteriana.
Vale ressaltar que a produção de cortes mais espessos, como bifes, requer tecnologias adicionais para criar vasos sanguíneos que irrigam as células, devido à dificuldade de difusão de oxigênio e nutrientes em camadas internas com mais de 200 micrômetros de espessura.
As características são iguais às da carne convencional? e o valor nutricional?

O objetivo da carne cultivada é replicar ao máximo as características organolépticas (aparência, textura, sabor) e o perfil nutricional da carne convencional. No entanto, alcançar essa biomimética total é um dos grandes desafios.
Pensando na coloração, a cor vermelha característica da carne é devido à presença da mioglobina. Na carne cultivada, a formação de mioglobina pode ser menor, resultando em uma cor mais pálida ou rosada, sendo necessárias soluções como o ajuste das condições de cultivo ou a adição de compostos heme de origem vegetal para atingir a cor desejada.
Já quanto à textura, a maciez, suculência e firmeza são influenciadas por tipos celulares, concentração de gordura e água, e organização das miofibrilas. Scaffolds são fundamentais para essa estruturação. A carne produzida por auto-organização pode ter uma textura mais macia.
O sabor da carne é resultado de uma complexa interação de compostos que se formam durante o cozimento, com a presença de células adiposas sendo crucial. Um grande obstáculo é a ausência dos processos post mortem (como rigor mortis e maturação) que ocorrem na carne convencional após o abate do animal e contribuem significativamente para o desenvolvimento do sabor e textura, o que torna difícil reproduzir o perfil de sabor da carne tradicional.
Por fim, referente ao valor nutricional, a carne convencional é fonte de proteínas de alto valor biológico, ferro heme e vitamina B12. A carne cultivada tem o potencial de ser projetada para um perfil nutricional específico e modificável, podendo ser enriquecida com nutrientes (como o ômega-3) ou ter níveis reduzidos de gordura e colesterol, podendo ser adjuvantes no controle e na prevenção de doenças.
A produção é sustentável? Quais são os impactos ambientais?

A sustentabilidade é um dos principais argumentos que sustentam a produção da carne cultivada. A pecuária convencional é uma das atividades com maior impacto ambiental, que consome até 70% da água doce mundial e 30% da superfície terrestre para criação de gado, sendo responsável por cerca de 14,5% das emissões globais de gases do efeito estufa, como o metano – proveniente da fermentação ruminal –, dióxido de carbono e óxido nitroso que possuem alto potencial de agravamento do aquecimento global.
Por outro lado, a alternativa da produção in vitro pode representar melhor aproveitamento dos recursos como terra e água doce e energia, redução da emissão de gases poluentes e a promoção do bem-estar animal, com redução do número de abates em massa.
Apesar desses benefícios aparentes, é necessário compreender que a tecnologia ainda está em desenvolvimento, e as projeções atuais são baseadas em modelos experimentais, o que exige mais pesquisas para avaliar os impactos reais em escala industrial.
O consumo pode oferecer algum risco à saúde?
A segurança e os potenciais riscos à saúde são preocupações intrínsecas à introdução de qualquer nova tecnologia na cadeia de alimentos. No caso da carne cultivada, alguns aspectos técnicos sugerem benefícios relevantes. A produção em ambientes controlados, estéreis e higiênicos, característica dos biorreatores, minimiza a contaminação por microrganismos patogênicos e o risco de doenças transmitidas por alimentos.
Por outro lado, a instabilidade genética das linhagens celulares e a potencial alergenicidade de proteínas vegetais usadas em meios de cultura livres de soro animal são preocupações que exigem rigorosa pesquisa e monitoramento. Tais fatores, somados à percepção de "não natural" ou "de laboratório", podem gerar "nojo" e "neofobia alimentar" em parte dos consumidores, sentimentos que a desinformação pode intensificar, dificultando a aceitação em larga escala.
De modo geral, a carne cultivada representa uma inovação promissora com potenciais benefícios, especialmente em termos de sustentabilidade e segurança alimentar,por meio da disponibilidade de alimentos. Contudo, é fundamental reconhecer e abordar os desafios técnicos, regulatórios, econômicos e de aceitação do consumidor para que esta tecnologia possa se consolidar como uma alternativa viável. A pesquisa contínua e a comunicação transparente são essenciais para navegar neste caminho.
E aí? Gostou de conhecer mais sobre essa inovação no consumo de carnes? O que você pensa sobre? Nos conte nos comentários e compartilhe esse conteúdo com algum amigo curioso também. Até a próxima descoberta!
Referências
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