Embora ainda seja objeto de estudo científico estabelecer a origem exata do vinho, descobertas arqueológicas recentes apontam que a fermentação de uvas pode ter começado por volta de 8000 a.C., durante o período Neolítico, na região do Cáucaso, que inclui a Geórgia e partes do Oriente Médio. O vinho foi utilizado em rituais religiosos, celebrações festivas, como meio de comércio e até mesmo como parte da alimentação diária.
Com o tempo, o vinho se difundiu entre várias culturas e civilizações, como os antigos egípcios, gregos, romanos e outros, desempenhando um papel importante em diferentes grupos sociais até os dias de hoje. Consequentemente, resultou em uma grande variedade de estilos e técnicas de vinificação. Cada região desenvolveu suas próprias tradições e métodos de produção, contribuindo para a diversidade de vinhos existentes globalmente.
Atualmente, o vinho continua sendo uma das bebidas alcoólicas mais populares e apreciadas em todo o mundo, sustentado por uma cultura e indústria vinícola em constante desenvolvimento. Além disso, o vinho ganhou destaque como forma de arte, sendo valorizado por suas características sensoriais, sua conexão com o terroir (ambiente onde as uvas são cultivadas) e suas combinações com diferentes alimentos.
Os estudos sobre o vinho foram intensificados a partir do fenômeno conhecido como "Paradoxo Francês", no qual a população francesa consome vinho regularmente, apesar de ter um estilo de vida sedentário, ser tabagista e consumir alimentos gordurosos. Surpreendentemente, eles apresentam uma menor incidência de distúrbios cardiovasculares. Atualmente, sabe-se que o consumo moderado de vinho, associado a um padrão alimentar saudável, rico em vegetais, frutas, legumes, amendoins e nozes, está relacionado a resultados positivos para a saúde, apesar do consumo excessivo de bebidas alcoólicas ser prejudicial.
A produção de vinho ocorre por meio da fermentação alcoólica, total ou parcial, de uvas maduras ou do suco de uvas frescas. Nesse sentido, hoje existe uma ampla gama de variedades usadas na produção vinícola como as uvas Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Malbec, Tempranillo ou uvas brancas como Riesling, Chardonnay e Sauvignon Blanc. Todavia, todas pertencem à Vitis vinifera, a principal espécie de uva cultivada no mundo. Hoje existem cerca de 60 espécies de Vitis mapeadas globalmente e a Vitis vinifera é a única nativa da Europa e do Oriente Próximo - região onde é atribuída a origem do vinho. Estima-se que mais de 10.000 variedades de uvas utilizadas na elaboração dos melhores vinhos têm origem na Vitis vinifera.
No que se refere ao processo produtivo em si, do ponto de vista bioquímico, essa fermentação resulta na transformação dos açúcares presentes no suco de uva por leveduras da espécie Saccharomyces cerevisiae e por bactérias lácticas da espécie Leuconostoc oenos no processo de fermentação maloláctica que transforma o ácido málico em ácido láctico. Esse processo fermentativo, geralmente beneficia os vinhos tintos que adquirem maior complexidade aromática, suavidade e maciez gustativa.
A composição do vinho, de modo geral, inclui uma variedade de substâncias, como açúcares, álcoois, ácidos orgânicos, sais minerais e orgânicos, compostos fenólicos, pigmentos, substâncias nitrogenadas, pectinas, gomas e mucilagens, compostos voláteis e aromáticos (como ésteres, aldeídos e cetonas), vitaminas, sais e anidrido sulfuroso.
O vinho contém compostos bioativos, principalmente polifenóis, como alquilfenóis, antocianinas, ácidos fenólicos, flavonas, flavonóis, tirosóis, lignanas e estilbenos.
Temos um destaque para os compostos fenólicos que apresentam uma estrutura que pode variar desde compostos simples com um único anel aromático de baixo peso molecular até complexos de alto peso molecular, como os taninos e as proantocianidinas condensadas. Esses compostos são fundamentais para a estabilidade oxidativa e para as propriedades sensoriais de alimentos derivados de plantas.
Além disso, muitos desses compostos, como o resveratrol, a quercetina, as catequinas e as proantocianidinas, exibem uma ampla variedade de atividades biológicas, incluindo propriedades cardioprotetoras, anticancerígenas, anti-inflamatórias e antimicrobianas. Essas ações benéficas são principalmente atribuídas à sua atividade antioxidante e capacidade de combater radicais livres.
Para proteger as células dos danos causados pelos radicais livres, o corpo produz antioxidantes endógenos. No entanto, se os danos causados pelos radicais livres forem intensos, pode haver uma escassez de antioxidantes produzidos internamente para neutralizá-los. Nesse caso, é necessária a inclusão de antioxidantes exógenos provenientes da dieta, como os encontrados em extratos de vinho de uva ou da videira, para combater esses danos e prevenir certas doenças.
O resveratrol, um tipo de estilbeno encontrado na uva e seus derivados, é um dos compostos fenólicos mais conhecidos do vinho, devido às suas propriedades antioxidantes e efeitos benéficos à saúde. O teor de resveratrol na bebida depende de fatores ambientais e práticas culturais adequadas na viticultura.
Já as catequinas e epicatequinas, pertencentes à classe dos flavanóis que também incluem polímeros como a proantocianidinas, que quando aquecidas em soluções ácidas, liberam antocianidinas, também estão presentes com a concentração variando de acordo com a posição e fase de desenvolvimento.
Também temos a presença de antocianinas que são o principal grupo de pigmentos fenólicos responsáveis pela coloração vermelha, roxa e azulada de algumas espécies de uvas. Nessas espécies há maior concentração desses compostos, especialmente nas peles das bagas. Elas não apresentam toxicidade conhecida e são solúveis em água, tornando-as atrativas como substitutos naturais de pigmentos sintéticos e antioxidantes. Além disso, as antocianinas nas uvas são usadas como marcadores para classificar vinhos de acordo com a variedade da uva.
Além do resveratrol, o vinho também possui taninos, compostos fenólicos que conferem adstringência e estrutura ao vinho. O termo tanino condensado tem sido hoje em dia generalizadamente substituído pela designação de proantocianidina ou apenas flavanol. As proantocianidinas estão presentes em todas as partes do cacho de uva, mas as sementes são sua principal fonte, representando cerca de 90% delas. As concentrações de taninos variam de acordo com o tipo de uva, processo de vinificação e envelhecimento, resultando em diferentes sabores e características sensoriais dos vinhos tintos e brancos.
No vinho tinto, a quantidade de polifenóis é seis vezes superior à existente no vinho branco, dado que o suco da uva tinta permanece por mais tempo em contato com as sementes e a pele das uvas. Os principais compostos fenólicos do vinho tinto são os taninos e as antocianinas, enquanto que os do vinho branco são ácidos fenólicos derivados dos ácidos hidroxicinâmicos e, em menor quantidade, podem-se considerar os flavanóis como os mais importantes.
Essa diferença se justifica pois, apenas cerca de 10% ou menos dos compostos fenólicos podem ser extraídos da polpa da uva, enquanto a pele contém de 28% a 35% e as sementes de 60% a 70% desses compostos. Nas sementes, a concentração de polifenóis pode variar de 5% a 8% do peso total e ao longo do desenvolvimento da baga, a concentração de compostos fenólicos aumenta.
Os métodos de produção variam conforme o tipo de vinho que se pretende adquirir. Na produção de vinho branco ou rosé, através do método branco, o processo utilizado é o de “bica aberta”, onde a fermentação se realiza com uvas sem pele e ligeiramente esmagadas. Pelo contrário, através do método “de curtimenta”, comum aos vinhos tintos e rosés elaborados através do método tinto, dá-se a conservação dos pigmentos e dos taninos que se encontram nas uvas. Logo, o resveratrol encontra-se presente em todas as variedades, porém em concentrações distintas por conta do método produtivo adotado.
A presença de açúcar de adição no vinho varia de acordo com o estilo e método de produção. Alguns vinhos podem ter açúcar adicionado durante a fermentação para aumentar o teor alcoólico, enquanto outros vinhos são naturalmente doces, preservando o açúcar residual para proporcionar um sabor mais doce. Vinhos secos, como muitos tintos, brancos e rosés, geralmente não possuem açúcar residual significativo, uma vez que o açúcar natural das uvas é completamente fermentado durante o processo de vinificação. Quanto à coloração, os vinhos tintos são associados a uvas escuras, enquanto vinhos brancos são produzidos a partir de uvas verdes. O vinho rosé, por sua vez, pode ser produzido tanto a partir de uvas de cor rosa quanto de uvas tintas, por meio de um processo específico de vinificação no qual as cascas das uvas tintas têm um contato limitado com o mosto.
Em alguns países da Europa como França, Itália, Espanha e Portugal, o vinho é considerado alimento, porém a ideia de classificá-lo dessa forma no Brasil ainda é surpreendente para muitas pessoas. Isso pode ser atribuído ao fato de que, de modo geral, os brasileiros ainda não possuem o hábito de tomar vinho durante as refeições. Em contraste, nos países europeus, onde o vinho faz parte da dieta, suas qualidades são reconhecidas e culturalmente aceitas pela população.
A discussão sobre se o vinho é um alimento ou uma bebida alcoólica vai além de seus benefícios ou malefícios à saúde e também está relacionada ao seu preço. A cadeia produtiva do vinho já enfrenta uma alta carga tributária. Além disso, o fato de o vinho ser classificado tributariamente como bebida alcoólica resulta em uma sobretaxa. Em países como a União Europeia, Estados Unidos e Chile, o vinho é classificado como alimento, o que implica em uma incidência de impostos menor. No Brasil, ele não é considerado alimento nem um produto comum, mas sim um artigo de luxo ou prejudicial à saúde, com sobretaxa.
No Estado do Rio Grande do Sul, responsável pela maior parcela na produção de vinhos nacionais, houve a construção de um projeto de lei - PL 119/2005 - com a sugestão do vinho como alimento funcional justificando o discurso sobre as evidências científicas em torno dos benefícios dos compostos bioativos presentes no vinho que estão associados a desfechos positivos de saúde. Essa afirmação foi feita à luz do precedente legal da Espanha que em 2003 elevou o vinho ao status de alimento funcional, porém o projeto foi vetado por conta da ausência de fatores que diferenciam o vinho de outras bebidas quentes, da falta de limitadores na questão da publicidade sobre quem pode tomar vinho e quais são os limites. O objetivo é aliviar a pesada carga tributária sob a alegação que enfraquece o consumo interno em relação aos concorrentes.
É importante ressaltar que todas as bebidas alcoólicas, incluindo o vinho, apresentam riscos à saúde quando consumidas em excesso. Não existe um limite absoluto de consumo de álcool por pessoa, e cada indivíduo deve avaliar seu próprio limite de acordo com fatores individuais. Recomenda-se um consumo diário moderado de uma taça de vinho - cerca de 100 mL - , conforme sugerido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). É essencial levar em consideração as recomendações de saúde e avaliar os próprios limites pessoais ao consumir álcool.
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