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Queijo Casu Marzu: uma surpreendente relação entre queijo e larvas

  • Kevin Costa Miranda
  • 27 de abr.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 29 de abr.

Sabemos que existem variados tipos de queijos ao redor do mundo e muitos possuem diversas propriedades nutricionais e com características distintas dependendo da forma como foram produzidos. Mas você sabia que existe um queijo que é feito com larvas de moscas? Sim, isso mesmo. Vamos conhecê-lo mais um pouco? 


Entre as colinas ensolaradas da Sardenha, na Itália, um alimento desafia as normas convencionais da gastronomia e da segurança alimentar: o Casu Marzu, um queijo fermentado de forma inusitada, utilizando a ajuda de larvas vivas. Conhecido localmente por vários nomes, como casu becciu (queijo velho) ou casu frazigu (queijo podre), ele é muito mais que uma iguaria exótica, ele é uma expressão cultural dessa região.


O processo de produção começa com o uso de leite cru de ovelha, aquecido e coalhado com enzimas naturais. Depois de moldado, o queijo é colocado em salmoura e, após um breve período de maturação inicial, é exposto ao ambiente ideal para atrair a mosca do queijo (Piophila casei), na qual deposita seus ovos na massa. O queijo é exposto à mosca do queijo durante os 15 dias seguintes de maturação.


Após as moscas serem atraídas pelo queijo, sua parte superior é retirada, triturada e colocada novamente nas formas, com o objetivo de atrair ainda mais moscas. Esses insetos depositam entre 140 e 500 ovos, dos quais nascem as larvas. O estágio larval costuma durar cerca de cinco dias, podendo se estender caso as condições de temperatura não sejam ideais.


As larvas que se desenvolvem ali se alimentam do próprio queijo, liberando enzimas que quebram proteínas e gorduras, transformando a textura do produto em uma pasta macia e intensamente aromática, além disso, se desenvolvem dentro da massa do queijo para provocar uma fermentação intensa, que muitas pessoas consideram uma forma de de decomposição. Durante esse processo, os insetos em crescimento criam uma pasta cremosa e picante no interior do queijo, com uma consistência extremamente suave e derretida. Esse estágio faz com que o queijo libere pequenas gotas de um líquido chamado lagrima, que significa "lágrimas" em italiano.


Em seguida, ocorre a fase denominada “pupação”, que leva em média 12 dias. Essa etapa geralmente acontece depois que as larvas abandonam o queijo. Quando o ambiente apresenta condições ideais, cerca de 25 °C e 60% de umidade relativa, o ciclo de vida completo da mosca do queijo é concluído, em aproximadamente 20 dias.


Curiosamente, o Casu marzu é comercializado com as larvas  vivas. Esse queijo costuma ser servido com o pão típico da Sardenha, o pane carasau, além de ser harmonizado com Cannonau, um vinho tinto encorpado. Se elas estiverem imóveis, significa que o queijo está impróprio para o consumo. Algumas pessoas optam por retirar as larvas antes de comer, enquanto outras as consomem junto com o queijo. O sabor do casu marzu é frequentemente descrito como muito forte e marcante.


Apesar da aparência e do método de produção incomuns, o Casu Marzu é um alimento de longa história. Há séculos consumido na Sardenha, ele foi reconhecido como produto tradicional pelo governo italiano, mas, paradoxalmente, sua venda é proibida desde 1962 por leis que vetam alimentos contaminados por parasitas, mesmo que intencionalmente. Apesar dos esforços para controlar a segurança alimentar e da documentação relacionada à história deste alimento, ele não é reconhecido pelo Banco de Dados da União Europeia como um produto alimentar tradicional. Essa proibição, que desconsidera contextos culturais e modos de produção artesanais, e de certa maneira, alimentou uma rede informal de produção desse queijo,  sendo até os dias de hoje comercializado de forma ilegal. No Brasil, de forma similar, a legislação que regula a segurança dos alimentos é a Lei nº 8.078/1990, também conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC), que estabelece normas gerais de proteção à saúde do consumidor. Esta lei exige que os produtos alimentares comercializados estejam em condições adequadas de higiene e segurança, sem risco de causar danos à saúde. Também, ​a Instrução Normativa (IN) nº 161, de 1º de julho de 2022, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), estabelece os padrões microbiológicos para alimentos comercializados no Brasil. No qual possui o objetivo de garantir a segurança alimentar e proteger a saúde pública, definindo limites para a presença de microrganismos patogênicos em diversas categorias de alimentos,  ou seja, nada de larvas de moscas em queijos por aqui.


De forma oposta aos que proíbem o uso dessas larvas. Críticos italianos da legislação argumentam que a lei imposta promove uma visão reducionista sobre alimentação, alinhada a uma obsessão moderna pela “pureza” dos alimentos. Segundo eles, essa postura ignora que muitos alimentos valorizados, como o mel, também envolvem processos biológicos de origem animal. Uma pesquisa publicada no Italian Journal of Food Safety no ano de 2013 avaliou o impacto da colonização por P. casei na composição microbiológica e química do casu marzu. Os resultados mostraram que, quando o casu marzu é produzido em ambientes controlados, os níveis de microrganismos patogênicos permanecem dentro dos limites considerados seguros para o consumo humano.


Pesquisas recentes indicam que insetos comestíveis oferecem diversos benefícios para a saúde humana. Esses insetos são particularmente ricos em proteínas, podendo conter até 30% de aminoácidos essenciais, e também são benéficos para a microbiota intestinal. Além disso, estudos apontam que eles são fontes abundantes de vitaminas, minerais e polissacarídeos, que ajudam a fortalecer o sistema imunológico.


Apesar de sua aceitação limitada em muitas partes do mundo, há evidências de que o Casu Marzu, um queijo peculiar, oferece diversos benefícios nutricionais. Em contrapartida a isso, outro ponto importante a citar é que a presença de insetos em alimentos pode acarretar malefícios ao consumidor em razão da presença de microrganismos patogênicos que muitos desses insetos carreiam consigo.


O Casu Marzu faz a população refletir sobre essas barreiras alimentares, desafiando não apenas os paladares, mas também nossas ideias sobre tradição, identidade e o que é considerado “normal” no prato. Mas, e você, o que você acha a respeito sobre esse alimento peculiar? Comeria um queijo com larvas? Conta para a gente!

 

Referências Bibliográficas

 

ANVISA. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Instrução Normativa nº 161, de 1º de julho  de 2022. Estabelece as listas de padrões microbiológicos dos alimentos. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-in-n-161-de-1-de-julho-de-2022-413366880>.

 

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de setembro de 1990.

 

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). (1996). Regulamento técnico de identidade e qualidade dos queijos (Portaria no 146 de 7 de março de 1996) Diário Oficial da União.

 

CASTRO, M. Casu Marzu, um queijo nada seguro. 2019. Disponível em: <https://foodsafetybrazil.org/casu-marzu-um-queijo-nada-seguro/.>

 

COINU, M. et al. PRODUCTION UNDER CONTROLLED CONDITIONS OF “CASU MARZU” CHEESE: EFFECT OF THE Piophila Casei COLONIZATION ON MICROBIAL AND CHEMICAL COMPOSITION OF THE CHEESES. Italian Journal of Food Safety. Vol. 1, no. 7. 2013. Disponível em: < https://doi.org/10.4081/ijfs.2010.7.45>.

 

FRANKLIN, L; MCNAMEE, G. L. "casu marzu". Encyclopedia Britannica. 2023. Disponível em: <https://www.britannica.com/topic/casu-marzu>.

 

HAY, M. The secret resistance behind the world’s most dangerous cheese. 2020. Disponível em: <https://theoutline.com/post/8843/casu-marzu-cheese-sardinia-illegal-dangerous>.

 

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PETRONI, A. Casu marzu: conheça o queijo com larvas considerado o mais perigoso do mundo. CNN BRASIL. 2021. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/viagemegastronomia/viagem/casu-marzu-conheca-o-queijo-com-larvas-considerado-o-mais-perigoso-do-mundo/.>

 

WANG, C. et al. Sardinian dietary analysis for longevity: a review of the literature. J. Ethn. Food 9, 33 (2022). https://doi.org/10.1186/s42779-022-00152-5

 
 
 

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