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Você sabe o que é a Entomofagia?

  • Beatriz Spena Machado
  • 9 de jun. de 2024
  • 7 min de leitura

Entomofagia


A “entomofagia” consiste na prática de comer insetos ou produtos derivados. O consumo de insetos está presente na alimentação em diferentes países da Ásia, Austrália e da América latina. No entanto, há regiões do mundo em que o sentimento direcionado à essa prática alimentar corresponde à nojo e aversão.


Sabe-se que o cinema é uma forma de expressão cultural e representação. Através de um filme é possível representar algo, como uma realidade social percebida e interpretada. Assim, para ilustrar o tema da semana: a nova versão do clássico de 1984, “Karatê Kid” (2010), representa como as dimensões de ordem social, afetiva, comportamental, cultural e ambiental são capazes de influenciar nas escolhas alimentares de uma sociedade. O filme conta a história de Dre (Jaden Smith), um jovem americano que se muda para a China com a mãe, onde passa por diferentes experiências culturais das quais não estava familiarizado. Em uma das cenas do filme, seu par romântico o convida para um passeio pelas ruas de Pequim, capital da China. Durante o tour, Dre se depara com insetos em espetinhos e larvas vivas sendo comercializados para consumo (Figura 1), o que gera nojo ao jovem. Enquanto Meiying, sua companheira, acha graça e age com naturalidade.

Figura 1. Imagem do filme Karatê Kid, 2010.


Mas e você nessa situação, sentiria repulsa ou agiria com naturalidade?


Aspectos culturais e sociais: 


A falta de conhecimento geral sobre a entomofagia é um dos principais fatores para o baixo consumo de insetos. Um reflexo disso está presente em uma pesquisa realizada no Brasil em 2016, pela Professora da Universidade Federal do Mato Grosso do sul, Thelma Cheung, durante a qual, cento e trinta pessoas, com média de idade de trinta anos e residentes em Campo Grande, MS, foram entrevistadas sobre a prática da entomofagia. O estudo concluiu que o viés cultural e o não reconhecimento de insetos como fonte de alimento, poderão ser um obstáculo a ser ultrapassado pelos agentes do poder público e privado em relação à intenção da produção e da comercialização de insetos como fontes de alimentos para humanos. A palavra “nojo” apareceu de forma marcante na pesquisa e muitos respondentes declararam que o inseto não está disseminado no Brasil como alimento e que os benefícios dessa ingestão precisam ser comprovados (Cheung TL & Moraes M.S. I).


Além disso, o estudo acrescenta que até mesmo em sociedades em que se consome insetos, o volume vem diminuindo devido à “ocidentalização” da alimentação, à mudança na dieta pela importação de alimentos baratos e de alimentos mais refinados ou processados. 


Mas será que é seguro comer insetos?


O receio principal dos consumidores em relação à entomofagia é referente à segurança microbiológica e química dessa fonte alimentar alternativa. Atualmente, estudos dizem que o risco para a saúde humana e animal depende da espécie do inseto, da ração que consomem, do ambiente em que habitam e dos métodos de produção e processamento adotados.


Em países da África, por exemplo, os insetos comestíveis são geralmente colhidos na natureza, o que dificulta o controle dos níveis de toxinas presentes na ração (plantas silvestres). Em contrapartida, na maioria dos países europeus e asiáticos, os insetos são criados em ambientes controlados, nos quais técnicas sanitárias são empregadas, reduzindo, assim, o risco de contaminação microbiológica. Portanto, a diferença no habitat do qual os insetos comestíveis são colhidos pode contribuir para diferenças em sua segurança.   


A China é o país cuja entomofagia está mais popularizada e culturalmente inserida, caracterizando-o como um dos principais consumidores de insetos comestíveis do mundo.


Quer saber mais sobre como essa prática alimentar está presente nas ruas, restaurantes e tradições chinesas?


Mas e a entomofagia na China?


Ficou curioso para compreender os benefícios nutricionais e econômicos da inserção dos insetos na alimentação humana, além de sua importância na culinária chinesa?


Então vem descascar a ciência com a gente!


O consumo de alimentos na China representa uma tradição milenar, presente em Dinastias desde 1000-1300 dC, e perdura até os dias atuais em diferentes regiões do país e por distintos grupos étnicos. No Sul da China, por exemplo, as formigas são as grandes protagonistas de alguns dos pratos típicos, como a refeição “formigas abraçando ovos”. Vale comentar que os insetos são criados não apenas visando a alimentação humana, mas também para fins medicinais e nutrição de animais.


Os ovos e os insetos adultos são processados, em sua maioria, e fornecidos misturados com alguma farinha, enquanto larvas e pupas são consumidas principalmente como pratos principais em restaurantes. O preparo das refeições inclui fritar, refogar, cozinhar e assar. Além disso, o comércio desses insetos nas ruas se apresenta como uma grande potência turística, já que para indivíduos ocidentais essa prática gera curiosidade e movimentação nas barracas chinesas. Nesse caso, é comum encontrá-los em espetinhos (Figura 1), como visto no filme “Karatê Kid” citado acima.


Figura 2. Espetos de insetos no comércio de rua chinês.


Aspectos econômicos:


Com o contínuo crescimento da população mundial, estudos da “Food and Agriculture Organization of the United Nations” (FAO) preveem que, por volta do ano 2050, serão necessárias novas fontes alimentares para suprir as deficiências produtivas causadas por vários fatores, principalmente, pelo tão discutido aquecimento global. Assim, o uso de insetos para alimentação foi proposto pela FAO como uma solução promissora para uma futura crise no fornecimento de alimentos.


Dito isto, o cultivo de insetos em larga escala se mostra favorável, uma vez que está associado à menor necessidade de áreas de cultivo, volume de água e investimento em tecnologia, além de emitir menos gases do efeito estufa comparado à pecuária tradicional. Portanto, essa fonte alternativa de alimentos torna-se atraente, tanto do ponto de vista da economia quanto da sustentabilidade ambiental.


Aspectos nutricionais:


O consumo de insetos como uma fonte alternativa de proteínas é considerado uma tendência futura e estratégia viável, principalmente em países subdesenvolvidos. Em alguns países da África, por exemplo, os insetos são uma importante fonte de alimento e fornecem segurança alimentar quando os alimentos básicos, como o  arroz, são escassos ou quando a disponibilidade de caça e peixes diminui durante a estação chuvosa.


As propriedades nutricionais incluem: alto teor de proteínas, gorduras, vitaminas, minerais e fibras. Além disso, estudos científicos têm demonstrado que a hidrólise enzimática destas proteínas resulta na produção de peptídeos com atividades biológicas, como atividade antioxidante, antidiabética, anti-hipertensiva e antimicrobiana. No entanto, o perfil nutricional dos insetos comestíveis depende da espécie e pode ser muito variável. Mesmo dentro de um mesmo grupo de espécies de insetos, o valor nutricional pode diferir devido à dieta, estágio metamórfico, habitat e condições ambientais.


  • Proteínas:


Geralmente, a ingestão diária de proteína varia aproximadamente de 56g/dia em regiões de baixa renda a 96g/dia em áreas com população de maior renda. Adicionalmente, sabe-se que a proteína animal contribui com 65% da ingestão proteica em países desenvolvidos, enquanto em países subdesenvolvidos apenas 15% da proteína é derivada da carne animal. 


A proteína proveniente dos insetos comestíveis são altamente digeríveis pelos seres humanos e satisfazem o teor recomendado de aminoácidos em relação à fenilalanina, tirosina, triptofano, treonina e lisina. Ademais, notou-se que o teor médio de proteína na matéria seca dos insetos varia entre 35% (cupins) e 61% (grilos e gafanhotos), podendo chegar a 77% em algumas espécies.


A variação do teor proteico depende principalmente do tipo de dieta e do estágio de metamorfose. Comumente, está em uma faixa semelhante à da carne suína e bovina, de 40 a 75 g em 100 g de peso seco do alimento.

 

  • Lipídios:


A literatura apresenta inúmeros estudos sobre a qualidade e quantidade de proteína presente nos insetos comestíveis, entretanto, vale também destacar a riqueza da composição lipídica, uma vez que a concentração de ômega-3 e outros ácidos graxos em alguns insetos é comparável à encontrada em peixes, podendo ser maior do que a de suínos e bovinos.


Assim como nas proteínas, o teor de lipídios nos insetos depende da espécie, da dieta e do estágio metamórfico, normalmente varia entre 2% a 62%. Além disso, contêm quantidades elevadas de ácidos graxos insaturados, com níveis que representam até 75% do teor total de lipídios.


Portanto, a alta concentração de ácidos graxos insaturados presente nessa fonte alimentar pode auxiliar na diminuição dos níveis de colesterol circulantes, o que, consequentemente, reduz os riscos de desenvolver doenças cardiovasculares.

 

  • Vitaminas e minerais:


Os valores de vitaminas e minerais também apresentam variações entre espécies. No entanto, níveis altos de vitaminas do complexo B (B2,B5,B7 e B12) têm-se mostrado um padrão entre várias espécies de insetos, enquanto a vitamina C apresenta concentrações baixas. Ademais, o teor vitamínico pode se alterar ao longo dos estágios de desenvolvimento, como ocorre com as vitaminas A,C,D e E.


Geralmente, referente aos minerais, os insetos são pobres em cálcio, sódio e potássio e ricos em magnésio, zinco, cobre e ferro. Algumas espécies, como cupins e gafanhotos, podem apresentar valores de magnésio, zinco e ferro mais elevados do que os presentes na carne bovina, por exemplo. 


Curiosidade:


Depois de tanto conteúdo, que tal um pouquinho de curiosidade?


Você sabia que na China, a barata, normalmente, não é consumida como fonte dietética diária, mas sim, utilizada como princípio bioativo para a produção medicinal?


São criadas em larga escala, em fazendas tecnológicas e, de seu corpo, ovos e secreções, são retiradas substâncias utilizadas como remédios na medicina tradicional e como fonte de descoberta de novas drogas, na medicina moderna.

              

Conclusão


Portanto, como os insetos comestíveis são densos em calorias e altamente nutritivos, seu consumo tem o potencial de reduzir a fome em todo o mundo. A presença de proteína de alta qualidade, gorduras boas e diversos micronutrientes, bem como potenciais benefícios ambientais e econômicos, tornam os insetos comestíveis um importante e potencial alimento no futuro nutricional do mundo.


No entanto, concluiu-se que a falta de conscientização e informação sobre os benefícios da inclusão dos insetos na alimentação humana contribui para a perpetuação do sentimento de nojo e repulsa. Por isso, faz-se necessária a inserção imediata desse conceito nas escolas primárias, assim como estratégias de marketing para promover a compra e o consumo dos produtos derivados e seus benefícios.

 

Referências bibliográficas:


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